Ao longo das últimas décadas, as pessoas LGBTI+ alcançaram progressos significativos na conquista e garantia de direitos legais em muitas partes do mundo. Apesar da maior visibilidade, as suas vivências continuam a ser marcadas por diversas experiências adversas com potencial traumático, frequentemente influenciadas por uma cultura cisheteronormativa que legitima a violência, a discriminação e a invisibilidade.
A discriminação laboral contra pessoas LGBTI+ manifesta-se frequentemente através de micro‑agressões, piadas depreciativas, rumores, bloqueios na progressão de carreira e exclusão social, ou criação de um ambiente hostil. Estas atitudes não apenas diminuem a motivação, satisfação e envolvimento no trabalho, levando ao abandono de funções por parte de muitos, como também prejudicam a produtividade das próprias empresas.
No contexto europeu, os dados do LGBTI Survey II da European Union Agency for Fundamental Rights (2020) mostram que: 53% das pessoas LGBTI+ já ouviram comentários ou piadas ofensivas no local de trabalho; 26% das pessoas trans foram assediadas no trabalho no último ano; apenas 36% das pessoas LGBTI+ estão totalmente abertas sobre quem são no trabalho. Em Portugal, cerca de 21% das pessoas LGBTI+ dizem já ter sido discriminadas no trabalho devido à sua orientação sexual e no caso de pessoas trans e intersexo este número sobe drasticamente.
A exposição contínua a preconceito e exclusão provoca alterações a nível físico (e.g., insónias, alterações do apetite, sistema imunitário fragilizado), psicológicos (e.g., sintomatologia ansiosa, depressiva ou até evolução para quadro de stress pós-traumático) e cognitivos (e.g., problemas de memória ou raciocínio). Este ambiente de constante vigilância e medo — muitas vezes motivado pela simples possibilidade de revelar a orientação sexual ou identidade de género — contribui também para ideação suicida, afetando de forma alarmante pessoa trans e não binárias. Em Portugal, 38% das pessoas LGBTI+ relataram ideação suicida no último ano; percentagens são muito maiores para trans binárias (50–66%) e não binárias (53%).
Apesar deste panorama, junho, mês do Pride, traz uma multiplicação de gestos simbólicos por parte das empresas — logótipos coloridos, campanhas publicitárias, eventos temáticos. No entanto, estas ações, quando não acompanhadas por práticas consistentes ao longo do ano, arriscam tornar-se superficiais.
A verdadeira inclusão vai além da visibilidade pontual: exige compromisso contínuo, transformação estrutural e coragem para enfrentar, de forma ética e intencional, as barreiras que ainda hoje limitam a plena participação das pessoas LGBTI+ no mundo do trabalho.
Construção de Ambientes de Trabalho Inclusivos
Criar um ambiente laboral inclusivo é um processo contínuo. Exige o envolvimento das lideranças e o compromisso de cada pessoa. Ou seja, não é suficiente garantir igualdade formal, é preciso criar condições para que todas as pessoas se sintam seguras, respeitadas e valorizadas.
Estratégias de Políticas e Cultura Organizacional
As empresas têm um papel central na criação de ambientes mais acolhedores. Isso implica um compromisso coerente e sustentado ao longo do tempo. Mais concretamente, existem diversas reflexões/alterações a ser consideradas:
• Implementar políticas claras contra a discriminação, com mecanismos eficazes de denúncia e acompanhamento, assegurando proteção em todas as dimensões da vida profissional.
• Criar espaços seguros onde todas as pessoas se sintam confortáveis para expressar quem são, sem receio de retaliação ou exclusão.
• Rever práticas de recrutamento, comunicação interna e progressão na carreira, garantindo processos justos, transparentes e acessíveis a identidades e expressões de género diversas.
• Investir em formação contínua sobre diversidade, equidade e interseccionalidade, envolvendo lideranças e equipas de forma transversal.
• Adotar linguagem e práticas inclusivas nos regulamentos, benefícios e comunicações (ex., reconhecer nomes e pronomes autodefinidos, assegurar infraestruturas e códigos de vestuário respeitadores da diversidade).
• Promover representatividade real e significativa, evitando o tokenismo e valorizando a presença e voz das pessoas LGBTI+ em todos os níveis da organização.
Responsabilidade Individual na Promoção da Segurança
Além das estruturas institucionais, o papel individual é essencial. O bem-estar laboral das pessoas LGBTI+ está profundamente ligado à possibilidade de viverem a sua identidade com autenticidade — sem medo de julgamento ou discriminação. Pequenos gestos de acolhimento, por parte dos colaboradores, fazem uma diferença significativa:
• Respeitar identidades de género não conformes, assegurando tratamento com dignidade para todas as pessoas (i.e., respeitar pronomes, nomes e experiências individuais).
• Evitar pressupostos cisheteronormativos, como assumir que todas as pessoas são heterossexuais e cisgénero.
• Evitar perguntas invasivas, respeitando limites e privacidade.
• Combater estereótipos e linguagem redutora, não reduzindo ninguém à sua orientação sexual ou identidade de género.
• Ouvir e compreender as necessidades reais de colegas LGBTI+, ouvindo as suas experiências e ajustando linguagem ou hábitos e criando um ambiente empático e responsivo.
• Apoiar, quando necessário, no contacto com famílias e comunidades, com encaminhamento para serviços adequados.
• Encarar o erro como parte do processo de aprendizagem, promovendo uma cultura de humildade e melhoria contínua.
Estas práticas não só melhoram a qualidade de vida das pessoas LGBTI+, como fortalecem o tecido humano da organização. Ambientes onde todas as pessoas se sentem vistas e respeitadas são, inevitavelmente, locais onde se trabalha melhor.
A Importância das Pessoas Aliadas
O apoio ativo de pessoas aliadas — ou seja, indivíduos que, mesmo não pertencendo à comunidade LGBTI+, assumem um compromisso consciente com a igualdade e a justiça — é essencial e este papel não se esgota no contexto empresarial. A aliança tem impacto quando se estende à vida quotidiana, seja em conversas com amigos e família, nas escolhas de consumo, nos espaços públicos e digitais.
Nem todas as pessoas LGBTI+ se sentem confortáveis com visibilidade ou exposição, e por isso é ainda mais importante que as pessoas aliadas usem os seus privilégios para criar espaços mais seguros e respeitadores. Existem formas concretas simples de ser aliado/a:
• Apoiar negócios e projetos liderados por pessoas LGBTI+.
• Procurar formação contínua e informação credível, sem sobrecarregar pessoas LGBTI+ com tarefas educativas.
• Promover práticas inclusivas em linguagem, convites e interações quotidianas.
• Intervir diante de comentários ou comportamentos discriminatórios, mesmo na ausência de pessoas LGBTI+.
• Afirmar-se publicamente como pessoa aliada, sinalizando apoio de forma clara e consistente.
• Participar em eventos e iniciativas comunitárias, demonstrando solidariedade.
• Canalizar recursos e escolhas de consumo para práticas e empresas inclusivas.
Conclusão: Da Visibilidade à Transformação Estrutural
A inclusão LGBTI+ nas empresas não pode ser sazonal, superficial ou decorativa. É um compromisso contínuo que exige escuta, humildade e mudança estrutural. Ir além do Pride é reconhecer que a diversidade autêntica se constrói todos os dias — nas decisões, nos valores e na cultura organizacional. O arco-íris não é um acessório: é um compromisso.