Era uma vez um povo que vivia numa bolinha e, há cerca de 12 mil anos atrás, iniciou uma jornada épica em busca de melhor qualidade de vida. Nessa altura, fartos de andar a fazer fogueiras na floresta, viver em grutas, procurar amoras e correr atrás de comida, esse povo pensou em domesticar animais e produzir amoras.

Um dia, sem dar por isso, o tempo virou dinheiro e o povo acordou em casa, domesticado, sedentário, a comer mais do que devia, a correr sentado, a esticar as horas do dia, a não dormir para produzir e acorrentado a tecnologias que lhes mostram uma realidade duvidosa, que lhes permitem viver de clique em clique.

Os números desta jornada mostram que, afinal, num clique, esse povo que vivia numa bolinha, passou a ter mais de 4 biliões de pessoas sedentárias, 3 biliões de pessoas obesas, mais de 2 biliões com problemas de sono, 350 milhões com ansiedade e 300 milhões com sintomatologia depressiva. Caso esta jornada em busca de melhor qualidade de vida continue a levar este rumo, estima-se que num swipe até 2035, esse povo tenha mais de 50% da população obesa, mais de 70% com problemas de sono e que a doença mental, principalmente a ansiedade, seja a doença número 1 no mundo.

Com o objetivo de mitigar vários problemas à escala mundial, a OMS em 2022 lançou uma campanha focada na saúde do cérebro: “Optimizing brain health across the life course”. O foco desta campanha passa por sensibilizar o mundo para uma necessidade urgente em cuidar da saúde do cérebro. Segundo a OMS, hoje é tempo de dar atenção às nossas prioridades mais básicas, ou corremos o risco de falhar redondamente a nossa jornada em busca de uma melhor qualidade de vida. Só um cérebro saudável, equilibrado e com bom funcionamento é capaz de combater o sedentarismo, a obesidade, os problemas de sono e a deterioração global da saúde mental.

O cérebro, com menos de quilo e meio, tem cerca de 180 mil milhões de células, das quais aproximadamente 90 mil milhões são neurónios. A cada segundo, é capaz de realizar mais de 100 triliões de sinapses e, quando sobrecarregado, pode chegar a mais de 20 quatriliões. São estas sinapses, que permitem a comunicação entre neurónios, que estão na base da nossa capacidade de tomar decisões, controlar impulsos, regular emoções, aprender e memorizar. Acima de tudo, permite processar informação externa e interna levando a uma interação viável e funcional entre nós e o ambiente que nos rodeia. Estas funções cognitivas dependem de um complexo sistema de comunicação neuronal, nos quais os neurotransmissores possuem um papel importantíssimo. Então, para que o cérebro seja saudável e funcional, também é preciso um bom equilíbrio entre os vários neurotransmissores , como por exemplo, a dopamina, serotonina, noradrenalina, adrenalina, acetilcolina, GABA e glutamato.

Hoje sabemos que hábitos saudáveis, aliados à disciplina e compromisso, podem proporcionar um equilíbrio saudável entre neurotransmissores. Ao reconfigurar a forma como os nossos neurónios comunicam, é possível mudarmos a nossa mentalidade, forma de pensar, agir e comunicar.

A alimentação é um desses hábitos saudáveis que possui um impacto significativo na saúde do nosso cérebro e na energia disponível para alimentar os 100 triliões de sinapses. Contribui ainda para a produção e equilíbrio de neurotransmissores. O eixo microbiota-cérebro-intestinos desempenha um papel importante na saúde do cérebro, sendo um dos principais precursores da produção de serotonina, vulgarmente chamado de neurotransmissor da felicidade.

Ao apostar na nossa dieta mediterrânica, rica em variedade de nutrientes essenciais, estamos a fornecer ao nosso cérebro os blocos de construção necessários para a sua manutenção e para a produção adequada de células e neurotransmissores. A alimentação tem assim um papel fundamental não só na saúde do cérebro, mas também no nosso funcionamento cognitivo, regulação emocional e estados de humor.

Para além da alimentação, a hidratação é determinante para manter toda esta máquina a funcionar às mil maravilhas. É importante saber que 75% do nosso cérebro é constituído por água. Por isso, uma hidratação adequada garante ao cérebro fluidos suficientes para manter a sua estrutura e função em perfeito estado. Um cérebro “bem hidratado” leva a um bom equilíbrio entre sais e minerais e tem mais facilidade no transporte de nutrientes, energia, neurotransmissores e oxigénio para que as sinapses ocorram de forma eficaz.

Uma boa hidratação e exercício físico regular ajudam a que o cérebro seja capaz de remover substâncias residuais e toxinas que se vão acumulando com a sobrecarga de sinapses. O exercício físico torna-se assim também fundamental para a saúde do nosso cérebro. A atividade física ajuda a aumentar o fluxo sanguíneo, facilitando a remoção de toxinas do cérebro, e é também responsável por impulsionar a neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro em se adaptar e reorganizar as suas conexões neuronais em resposta a novas experiências e estímulos . O exercício físico também está associado à produção de um fator neurotrófico (BDNF) que ajuda na neurogénese (produção de novos neurónios) e neuroplasticidade.

Para tirar o máximo de rendimento do exercício físico, sabemos que o descanso é fundamental e dormir para o nosso cérebro é determinante. É durante o sono, que o cérebro realiza processos de limpeza e remoção de resíduos metabólicos, incluindo a eliminação de toxinas e proteínas acumuladas que dificultam o bom funcionamento das sinapses e que podem estar associadas à deterioração cognitiva e à manifestação de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson. É ainda durante o sono que os neurónios são reparados e as conexões neuronais são aprimoradas. Durante o chamado sono profundo ou sono REM (Rapid Eye Movement), ocorre a consolidação de memórias, o que facilita a aprendizagem e aumenta a capacidade de armazenar informação importante resultante das experiências do nosso dia. Uma boa higiene do sono é determinante para que o cérebro se recupere do desgaste de um dia “trabalho”. Caso contrário, se não formos capazes de dar espaço ao cérebro para se autorreparar, estamos a contribuir para o seu envelhecimento precoce.

O que a neurociência nos diz é que para manter um cérebro saudável ao longo da nossa vida é determinante assumirmos um compromisso diário com bons hábitos de sono, de alimentação, de hidratação, de socialização e ao mesmo tempo mantermo-nos ativos física e mentalmente. Curiosamente, estudos associados a diferentes áreas de investigação como é o caso da longevidade, do envelhecimento saudável, da genética, do bem-estar, da felicidade e da alta-performance convergem todos num ponto comum que é o impacto positivo que simples hábitos e escolhas de vida saudáveis podem ter na nossa vida.

Parece então que o segredo para um cérebro saudável, produtivo e uma vida longa e feliz não está atrás de um ecrã ou em uma qualquer aplicação milagrosa de inteligência artificial. Se escutarmos bem, parece que o nosso cérebro, a nossa biologia, o nosso DNA, cada célula do nosso corpo e a nossa saúde mental e física gritam por:

  • Dieta Saudável;
  • Boas noites de sono;
  • Atividade Física;
  • Socialização Positiva;
  • Momentos simples de prazer;
  • Sexo;
  • Meditação.

Pois é, e agora que não há segredos, nem receitas milagrosas, parece que simples hábitos saudáveis promovem um cérebro saudável e uma melhoria significativa na qualidade de vida.

Eu sei que parece simples, mas a simplicidade como dizia Leonardo da Vinci é o último grau de sofisticação e esta jornada em busca de qualidade de vida parece mais difícil do que se julgava à partida. A simplicidade desta receita dos bons hábitos, parece contrastar com a dificuldade da sua aplicação no dia-a-dia. Isto talvez aconteça porque: gerir prioridades não é fácil, a gestão do tempo é complexa, a regulação emocional é uma tarefa hercúlea, combater medos é heroico e as dúvidas quebram a confiança de qualquer pessoa. Se em mais de 12000 anos de história este povo ainda não chegou ao destino, talvez, uma ajuda profissional, possa ser mais um dos ingredientes a juntar à receita.

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