A Versão 2.0

Já deste por ti a responder “está tudo bem” quando na verdade não está? Ou a sorrir numa reunião quando o que só querias mesmo era desligar a câmera e desligar do mundo?

Muitas vezes, no trabalho somos convidados a mostrar apenas a nossa versão “ajustada”, “neutra”, “adequada”. É como se existisse um manual de instruções invisível de conduta que dita o que podemos ou não sentir, o que podemos ou não dizer, o que podemos ou não ser.

À medida que o tempo vai passando, essa versão mais “profissional” vai ganhando protagonismo, e a verdadeira vai ficando ali, nos bastidores, esquecida.

Mas afinal, quanto de ti é que levas mesmo para o trabalho?

A máscara

A autenticidade é frequentemente valorizada nos slogans das empresas - “sê tu mesmo”, “traz o teu melhor eu”, “valoriza o que te torna único” -, mas na prática isto pode tornar-se um grande desafio. Ser autêntico implica riscos: o risco de não agradar o outro, de ser mal interpretado, de ser visto como “emocional demais”, “demasiado”, “intenso” ou “pouco profissional”.

Então vestimos a máscara: aquela que está sempre a sorrir quando o nosso corpo está cansado, que concorda quando na verdade quer questionar ou está na dúvida, que finge tranquilidade quando a ansiedade está à espreita. Pode ser uma estratégia que usamos para nos proteger, contudo pode impactar o nosso bem-estar.

O trabalho emocional dá mesmo trabalho

Este esforço emocional silencioso que fazemos todos os dias tem um nome: trabalho emocional.

A socióloga Arlie Hochschild foi quem descreveu este fenómeno pela primeira vez em 1983 - o esforço de gerir as emoções para corresponder às normas de expressão emocional e às expectativas do contexto profissional.

Nem sempre é visível, mas está em todo o lado: desde o atendimento ao cliente, na docência, na liderança de equipas, em cargos de gestão, e até nas conversas de corredor.

É o que fazemos quando sorrimos mesmo cansados, quando mostramos paciência em dias em que só queríamos estar em silêncio, ou quando controlamos frustrações para manter “um bom ambiente”.

E, tal como qualquer outro tipo de trabalho, o trabalho emocional tem custo. Quando é constante e não é reconhecido, acaba por consumir recursos internos, dando origem àquilo que chamamos de dissonância emocional - o conflito entre o que sentimos e o que expressamos - e contribui para a exaustão emocional que tantas vezes antecede o burnout.

Qual é a solução para isto? - “autenticidade chamada à receção!”

Ser autêntico não é dizer tudo o que pensas. Não é despejar emoções ou dar opiniões sem filtro. É agir de uma forma alinhada com os teus valores, mesmo quando adaptas a forma como te expressas. É encontrares um ponto de equilíbrio onde respeitas o contexto e és fiel a ti mesmo.

Autenticidade é, no fundo, uma questão de integração. Reconhecer o teu trabalho emocional - e aprender a geri-lo de forma saudável - faz parte dessa integração.

Não se trata de “não sentir”, mas de dar nome ao que sentes, para não te perderes no papel que desempenhas.

E tu, quantas versões de ti estão a trabalhar todos os dias?

Poderás ser a versão entusiasmada nas manhãs de segunda e a que está exausta na sexta ao fim da tarde. Poderás ser a versão do “profissional impecável” em reuniões e o “humano que sente” nos corredores da empresa.

Mas talvez - e isto é o mais importante - possas simplesmente começar a permitir que todas essas versões conversem entre si.

Porque o trabalho é parte da vida, não o contrário.
E se nele não há espaço para seres quem és, o preço pode ser mais alto do que imaginas.

A verdade é que manter uma personagem é cansativo. Uma autêntica aula de ginástica!

Quando passamos demasiado tempo a interpretar papéis, começamos a perder contacto com aquelas que são as nossas necessidades, valores e limites – e isso pesa muito na nossa saúde mental.

E tu, até quando é que vais conseguir manter esse papel sem te esqueceres de quem o está a interpretar?

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